Crônica #1: O que faz bem ao coração?

Nesta crônica, uma reflexão sobre o cuidado, com o outro e consigo mesmo. Porque o que faz bem ao coração nem sempre está nos remédios, mas nos gestos que mantêm a vida em movimento.

     O coração é vital, certo? Não existe vida sem ele. Mesmo sabendo da sua importância, há uma dificuldade em tratá-lo da forma que se deve. Como o coração tem “a sua própria vida” não precisamos monitorar de maneira constante se ele está trabalhando da forma que é necessária. Porém, ocasionalmente, podemos sobrecarregar o seu trabalho, seja com hábitos considerados ruins ou acometê-lo com grandes emoções.

     Uma amiga passou por um susto. O coração dela pediu uma folga, quis sair de férias. Por ser um órgão que não pode tirar férias - por motivos óbvios - excelentes profissionais da saúde precisaram intervir e ajudá-lo a se reerguer, para dar continuidade ao seu serviço diário. Literalmente sem pausas.

     Susto passado, problema de saúde reparado e seguimos com a vida! Eventos como esse criam marcas definitivas. Procedimentos médicos marcam fisicamente e o susto gera cicatrizes, na mente e nas emoções.

     Nem sempre refletimos sobre as cicatrizes emocionais. Ao observar o cuidado dos familiares em trazer agulha, linha e tecido - costura é um dos hobbies favoritos desta amiga -, e ao ouvir relatos de broncas: — “por que você foi ao banheiro sozinha?”. Vejo que as preocupações se estendem também para quem cuida e, com isso, vem a mudança da rotina de todos.

     A alta hospitalar é um misto de alívio e angústia. O abraço forte e a fala firme dela reforçam os motivos da liberação médica. Se misturam com a indefinição dos passos futuros: – “Quem vai cuidar dela? Ela não pode ficar sozinha em casa. Precisamos de um profissional para auxiliar nos cuidados diários. Quem da família pode se ausentar dos seus afazeres para ajudar?”. Quanto mais perguntas surgem, maior a agonia.

     Sabemos que o coração está em tratamento, mas o coração de quem está de pé, observando o outro se refazer, também precisa de cuidado. Todos os protagonistas viram pacientes.

     Não devemos nos culpar por não saber o melhor caminho do cuidado, ou se erramos em alguma conduta. O princípio é ter a intenção de querer aquela pessoa bem. Do que ela gosta? Como ela faria se eu estivesse no lugar dela? Ela se sentecontente com que estou fazendo? Cuidar de alguém é também cuidar do que essa pessoa ainda é.

     O lado bom de todos virarem pacientes, neste contexto, é que o aprendizado é uma via de mão dupla. E é gostoso aprender! A ansiedade faz a gente olhar para o objetivo final, a linha de chegada. “Que você melhore logo”, ou “tudo vai ficar bem”, dizemos às vezes sem saber de fato se ficará mesmo.

     Prestar atenção na jornada é importante para manter a calma. O aprendizado mútuo está ali. Talvez o susto seja apenas um lembrete de que precisamos reforçar o amor que temos por alguém. No fim das contas, o que faz bem ao coração talvez seja o mesmo que faz bem à vida: continuar batendo por algo ou por alguém.


Marcelo L. Soléo